Partir de Comboio

Vou a caminho de Lisboa. Vou partir de comboio. Vou do Porto. Não sei ao que vou. Mas vou.

PARTIR DE COMBOIO

A velocidade frenética do comboio, longe dos meus devaneios românticos, contrasta com a calma que me leva a partir. Saí de casa despedindo-me com abraços e beijos dos meus filhos, Francisco e António, e da minha mãe. Não suportaria deixá-los no passeio da linha 8 a vê-los fugirem-me ao longe. Não. Qui-los sossegados, em casa, nos braços da avó, a pensar no jogo do Dragão e no cachorro quente do intervalo.

Só lhes disse que soubessem, que tivessem a certeza, que a felicidade somos nós que a inventamos. E eu vim ser feliz!

Fechei a porta sem arrependimentos, nem saudades antecipadas. Vim com o meu marido. Na viagem curta de carro até Campanhã pouco dissemos. Não é preciso. Ele sabe que é assim que tem de ser. Dei-lhe um beijo, rápido, com um breve até logo. É que já, já teremos o nosso tempo. E eu não acredito em despedidas. Vou porque tenho de ir. Mas volto. E, por isso, não me quero despedir.

Quero partir de comboio. Só.

Parto hoje do Porto, daqui umas horas, setenta e duas horas antes de zarpar, para garantir que nada me impedirá de embarcar a bordo, nem eu mesma.

Inicio esta viagem de comboio.

Eu adoro a fantasia da lentidão dos comboios que me fazem abrandar os pensamentos. A velocidade sonora dos trilhos de ferro que uniram, e unem, as terras e as gentes sobrepõe-se à ansiedade de chegar a um ponto B. Entre o Porto e Lisboa, terei tempo para nada pensar. Nada fazer.

Deixar-me levar no pouca-terra de ritmos alucinantes que em cento e cinquenta e cinco minutos me dará tempo de voltar atrás (nunca), seguir em frente (o mais certo) e continuar (para sempre) a encontrar-me em cada chegada, apeada de medos e carregada de vontades.

Sentei-me, olhei o Douro que me dizia “Adeus, até ao teu regresso!” e coloquei as mãos sobre as pernas e sem tremer pensei “É agora!”. Fechei os olhos e quase cheguei a Aveiro.

O comboio ía cheio de gente que ao domingo afina as suas rotinas para a semana que entra, uma mãe com um bebé de colo que choramingava, dava-lhe o peito na tentativa de o sossegar, e sossegou, jovens estudantes alegres e despreocupados, bonitos e serenos, falavam entre si com amizade e cumplicidade até Coimbra, vários turistas chineses perdidos nos seus brinquedos reais de um mundo virtual, um casal apaixonado, mesmo à minha frente, conversava e ria baixinho, um professor, sentado ao meu lado, preparava a aula do dia seguinte, em Lisboa. E outros, tantos outros. E eu!

De certo, ninguém imagina a vida de cada um. E nem é preciso. Basta que cada um viva a sua!

mh

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