Acordei com o sol alto, seriam umas seis das manhã e estavam vinte e seis graus. Os deuses por estes lados sabem fazê-los e que bem os fazem, os dias! Os próximos dia iria conhecer os muitos paraísos da Ilha de Boipeba, onde há vários pedaços de céu!
A vista do meu alpendre era esta, e a vontade espreguiçava-se sem de lá querer sair,!
Ao fundo ouvia de perto o mar que calmo apresentava a certeza da previsão do dia. Lá em baixo os vários paraísos da Ilha de Boipeba aguardavam-me. Mas antes ….
Tomei um café da manhã precioso.
Não tirei outro registo além deste, que não o honra, mas mostra tudo o que veio para a mesa. E tudo era caseiro. Tudo era feito no momento e absolutamente delicioso.
Surpreendeu-me a variedade de sucos, primeiro os de sempre mamão, manga, ananás e melancia, e depois os nunca esperados como cacau e umbu, e ainda os verdadeiramente brasileiros de graviola, carambola, acerola. Os nomes são tão estranhos quanto frescos e revigorantes.
A não perder, a toda a hora e sempre que apetecer! São tantos paraísos!
Agora estava pronta. Pronta para ir conhecer a ilha. Desci à praia por um caminho de terra e areia escaldante que veio dar a este maravilhoso coqueiral. Eram milhares de coqueiros que tingiam de esperança o horizonte entrecortado pelo azul do mar que espreitava.
Espreitava-me a Praia da Cueira, um dos paraísos da Ilha de Boipeba.
Chegada à praia da Cueira, percebi, estavam todos certos!
Esta era uma das mais belas praias da Ilha de Boipeba. Eram quase dez da manhã. O calor queimava a pele e a areia branca espelhava na água turquesa um calor que a tornava quente. Sim, quente!
A praia estava deserta. Deserta mesmo. Sem ninguém. E apesar de, na altura, em novembro, ainda não ser verão no Brasil, a verdade é que por aqueles lados não há nunca multidões.
E não é difícil perceber porquê. Chegar a este sabido, mas não tão conhecido, pedaço de chão não é para quem tem pressa, não é para quem quer agito, não é para todos.
Aqui tudo é único e cada um faz como sabe e como quer. Acho que se chama ser livre!
O sol iniciava um escaldão na minha pele sem precedentes mesmo com factor cinquenta, posto e reposto, mas que o vento matreiro não me deixou adivinhar.
Caminhava ao longo do areal, quando encontrei temos uma barraca de praia, feita de folhas de coqueiro, que serve as caipirinhas mais exóticas que o Seu Patrão prepara.
Nas horas que está por lá, que não é sempre, pois leva a vida com calma, prepara-as com gosto. E se apertar o serviço chama a ajuda da esposa, que faz uns quitutes para travar a fome de quem passa e quer um tira gosto.
Estava num pedaço de céu, a Praia da Cueira, uma das mais bela dos vários paraísos da Ilha de Boipeba
A meio caminho, uma visão saída do imaginário.
Eu, mergulhada nas águas cálidas daquele Atlântico, vislumbrava na mira do calor, que era alucinante por estas horas, um cavalo branco montado, em pêlo, por um escultural negro ébano que, a trote, cavalgava pela praia, junto à maré.
Percebia então que guiava os gringos, que passeavam na Praia da Cueira, incautos que atravessavam a foz do rio Oritibe que se misturava com o oceano. Este rio pequeno mas arisco, continha alguns segredos na pouco profunda profundidade mas que poderia reservar negativas surpresas para quem desconhece o fundo coberto.
Aqui, faria um gancho, entrando água dentro, até à cintura, para ir encontrar uma entrada para acesso a outra praia … Moreré.
O dia acordou nublado e tudo o que queria era estar quieta. Deitada na areia, a ouvir o mar e a ler. Estava fora da casa há quase um mês.
Não tinha saudades. E tal estado deixava-me serena. Nunca tinha estado tanto tempo separada dos meus filhos. Sabia-os bem. E todo o tempo que lhes dera tinha sido tanto, que me esquecera de como era estar comigo mesma.
Descobri-me de novo. E gostei. Gostei tanto que não queria voltar.
Entreti-me a petiscar no Ligeirinho, nome bem merecido perante a rapidez do serviço. Enquanto apreciava um nativo que vinha na minha direção e “brincava” descontraído com a sua catana, um facão de meio metro com que amanham o peixe e afastam a vegetação.
Pensei o quanto aquela cena era anacrónica, mas de repente avistei ao longe crianças que chegavam para brincarem entre banhos de mar e corridas pela areia atrás de uma bola improvisada. Todos conviviam em paz.
Não havia ninguém a vigia-las. Eram umas cinco, talvez seis, raparigas e rapazes, de várias idades que viviam a sua fantasia sem medos, nem regras, nem limites.
Faziam da canoa o seu mundo sagrado, longe dos males do mundo, e eram felizes.
Brincaram assim um bom par de horas. Sorriam, ouvia-se as gargalhadas sonoras, o chapinhar da água. Sem saudades, mas lembrando-me deles, pensei nos meus filhos e no privilégio de se crescer livre. Estas crianças, como os meus filhos, são, em mundos tão distantes, livres à sua maneira, e só lhes posso desejar que o saibam permanecer.
Olhava o mar, do outro lado onde brincavam os moleques, diriam por estes lados, e avistava o topo de duas balizas feitas pelo engenho das mãos da terra. Uma em frente à outra com a devida distância. Estavam parcialmente submersas.
Aqui joga-se futebol, ou não estivéssemos no Brasil, e até se fazem craques como o Liedson, grande avançado do FCPorto, lá pelos meus lados lusos, quando a maré está vaza. E nada-se com a maré cheia, concedendo tempo ao tempo da natureza nos permitir o que melhor ela nos dá.
Chegava o entardecer.
E com o entardecer a luz transformava-se numa magia sem cor definida, onde o vago dava lugar aos pensamentos que soltos se perdiam na imaginação.
O caminho fazia-o solitário porque não deixei por um segundo de me querer só, embora não sozinha.
Boipeba chegou a mim na busca diária e permanente que levei a cabo durante meses a fio. Sobre o meu Brasil, sobre o desconhecido, sobre o paraíso, os muitos paraísos. Levo para sempre esta sensação de liberdade. De se ser apenas e somente aquilo que se é.
Depois da Cueira, de Moreré, vem Tassimirim!
Precisei dos últimos três dias para voltar atrás. Para realizar o porquê de tudo isto. Isto que nada mais é do que um exercício narcisista dos meus próprios sonhos. Isto que me disciplina. Isto que me transporta para outra dimensão. Isto que escrevo.
Esta viagem foi, e insisto em a perpetuar, uma viagem de sonho. Tal como os vários paraísos da Ilha de Boipeba
Mas pensei, de repente, que esta não havia sido a primeira viagem fantástica que havia feito. E que tenho sido muito bafejada de privilégios ao longo da minha vida. Logo aí esbarro com a dita felicidade. E que já vivi tantos, tantos sonhos!
E a felicidade é um horizonte que vislumbro, cada vez mais, em cada pequena coisa que é ou acontece no meu dia-a-dia. E por isso pausei para reflectir.
Ao ler as dezenas de páginas que escrevi, ao longo destes quatro meses, apercebo-me da apologia insistente de uma felicidade constante em cada sorriso, em cada olhar, em cada momento. E paro. E penso. E sei.
Caramba, eu sou mesmo feliz! E esse é o maior privilégio que tenho.
E eu tenho esta coisa de encontrar alegria em tudo, em cada desastre a salvação, em cada falha a aprendizagem, em cada perda a oportunidade.
Em paz comigo, vivo num turbilhão de emoções e sensações, que tantas vezes me perdem, que tantas vezes me indicam o caminho, que me fazem como sou, sem tirar, nem pôr.
E assim apresento Tassimirim. Depois da Cueira e de Moreré!
Ah Tassimirim, que de tudo o que poderia dizer sobre esta praia de encantar, me faz ficar pela felicidade de lá ter estado, de ter sentido a água quente nos banhos de mar, a areia suave sob os meus pés, o vento nos meus cabelos.
O sol a dourar-me a pele e a infinita gratidão por saber correr atrás de tudo o que acredito ser o melhor para mim (mesmo quando parece que não é) e nunca, nunca ter desistido dos meus sonhos!
Que são imensos! Que são meus! Que inspiram quem se quer encontrar! Quem quer ser feliz! os meus sonhos!
Ao chegar a Boipeba fui invadida por uma sensação de paz que me fez logo imaginar ali ficar a viver para sempre.
Na pousada O Céu de Boipeba, conversava com o Jesus, viajante do mundo que tinha partido de Granada em busca do seu quinhão de terra prometida.
Ele tinha já passado temporadas na India e na Indonésia, entendi que esse foi o seu pensamento quando se mudou e se instalou no paraíso baiano. Mas agora, enquanto trocávamos ideias, via que o paraíso se tinha tornado a sua vida, era a sua rotina.
E tudo o que ele mais desejava era sair, era voltar à sua Espanha, era viver. Sentia que o mundo se lhe escapava.
Logo me ocorreu que o melhor de nós, o melhor da vida, é o que vivemos de novo até que o hábito se instale.
E intala-se, na tentativa de saciar a motivação que nos faz mover, partimos em busca de aventura, paixão, adrenalina. Estes, os que partem, são mentes inquietas que não se rendem ao costume, ao instalado, ao adquirido. Estes são os que fazem a diferença ainda que tantas vezes seja indiferente o caminho que levam até chegar à meta.
Buscam uma vida ideal.
E a vida ideal é um conceito com prazo marcado, porque o mundo aguarda-nos, revelando que há tantos mais paraísos à nossa espera quantas vidas estejamos dispostos a viver!
mh