Iniciava uma audácia, chamada de aventura por uns, de loucura por outros. Por mares nunca antes navegados por mim.
Era o primeiro dia de nove que tenho pela frente.
Acordei tarde apesar de ter dormido horas e horas com as cortinas abertas e o sol a brilhar no céu e o oceano a entrar pelo quarto dentro inundando tudo de luz. Descansava como já não me lembrava de ser possível.
Senti-me verdadeiramente privilegiada!
Já passava da dez e já não ia a tempo de tomar o farto pequeno almoço que era servido no restaurante Miramar, mas não me importei. Tudo era novidade e eu queria calma. Queria sentir aquele momento com toda a sua plenitude pois era a primeira vez que o vivia. Estava verdadeiramente sozinha. Eu que sempre vivera rodeada de todos. Ali, dormir com o mar a embalar-me deu-me uma sensação de torpor difícil de largar. Espreitei o mar pela décima oitava vez (ou décima nona!!!) e decidi levantar-me.
Literalmente percebi o que era preguiçar e senti-me bem.
Levantei-me com hesitação. Podia se quisesse ficar ali. Não senti logo o balanço, mas ao abrir a porta da casa de banho, que era bem simpática, percebi que não se segurava sozinha. Tomei duche numa cabine pequena, mas não tão pequena quanto seria de esperar, onde a água jorrava com força e nunca era fria mesmo que a quisesse assim. Imaginava quanto litros de água carregaria aquele navio e, pelo sim, pelo não, economizei-a mais do que seria de esperar. Consciência da minha condição.
Comecei os preparativos, e sim, tudo num navio são preparativos, mesmo quando não estamos preparados, assim, e como já me haviam dito que o sol em mar alto queima muito mais que numa praia ou piscina, devido ao reflexo massivo nas águas do oceano, a gosto, enchi-me de protetor solar dos pés à cabeça.
Reparei, entretanto, que me haviam colocado debaixo da porta o diário de bordo, e assim foi todos os dias. Dei-lhe uma vista de olhos e percebi que iniciaríamos o retroceder das horas já na noite deste dia. Viríamos a atrasar quatro horas o que se revelou confuso para toda a viagem. Mas para já o dia estava a começar.
Depois, como era dia de reconhecimento a bordo vesti-me como se em Capri estivesse (onde aliás nunca estive, mas suponho que assim seja!) vestido azul longo, agasalho de algodão fino branco, imaculadamente branco, chapéu, óculos, um livro e câmara para os instantes e partilhas. Considerei-me pronta!
Preparando-me sabia que o sol em mar alto queimava muito mais que numa praia ou piscina, devido ao reflexo massivo nas águas do oceano, e, como tanto gosto, enchi-me de protetor solar dos pés à cabeça. Coloquei um chapéu, óculos, biquini e fui até piscina.
Ou onde tudo acontecia!
Subi ao deck 10, o deck exterior mesmo por cima do corredor da minha cabine, onde funcionava o restaurante Panorama. Aberto desde cedo até meio da tarde. Um self-service completo que atendia a todos os gostos e necessidades, desde um improvisado pequeno-almoço, como foi o meu caso, até um almoço tardio que variava entre comida italiana, chinesa e mediterrânea.
Sentia uma sensação de desequilíbrio, de tontura, que me tirava o apetite. Para contrariar a sensação de tontura fui petiscar algo, uns minis – croissantes, sumo de laranja, compotas, queijo e fiambre, doces, café. O suficiente para desenjoar.
O balanço do barco deixava-me nervosa. E isso é algo a que não estou habituada! Não me senti mal, mas percebi imediatamente que não controlava o meu equilíbrio que de si já é desequilibrado e isso deixava-me insegura. Mas penso que só mesmo a mim, porque ninguém notava soube-o depois.
Eram mares nunca antes navegados por mim.
Não me sentia mal, mas percebia que não controlova o meu equilíbrio que já de si era desequilibrado e isso deixava-me insegura. Caminhava com cautela e devagar.
Observava. Percebia que havia gente sozinha como eu. Mulheres e homens de todas as idades.Que havia famílias. Que havia grupos de jovens em grupos alternativos e menos jovens. Também casais maduros. Havia muita gente a bordo. Soube mais tarde cerca de seiscentas passageiros. A capacidade máxima do navio era de dois mil. Mais tripulação. Uns, como eu, que fazem a travessia pela primeira vez, e outros que já só chegam ao Brasil ou à Europa desta forma.
Depois de um primeiro passeio, decidi apanhar sol. Sozinha, o sol queimava quente e alto. Deitada em espreguiçadeiras dispostas junto à popa, sentia-me verdadeiramente entregue a mim a mesma. Relaxava numa dimensão de entrega que não me era usual. Desfolhava um livro. Leio. Ler aliás é a minha preferência porque tenho tempo e ninguém, rigorosamente ninguém, me interrompe. Lia compassivamente como se o meu tempo fosse acabar. Mas não acabou.
Ali tinha todo o tempo do mundo para mim. São muitas novidades, um dia sabidas, até ali esquecidas.
Agora por mares nunca antes navegados por mim.
Trouxe comigo cinco romances, dois portugueses, dois brasileiros e um chileno. Comecei por um romance de Vasco Graça Moura É de noite, meu amor que me acompanharia por três longos dias. A leitura do enredo e o final prenunciador viria a revelar-se demasiado óbvio.
Na verdade, a própria vida é tão óbvia que compreenderia que assim estava destinado a ser. Foi também meu caderno de rascunho como todos os papéis que apanhei pela frente, na tentativa de reter uma ideia, um vislumbre.
mh