Eram já cerca de nove da noite quando finalmente cheguei a casa, o Hotel Vila Galé, na Lapa, na Rua Riachuelo, centro do Rio de Janeiro. Pisava chão firme! O meu hotel no Rio de Janeiro fica na Lapa, vamos bater perna?
Chovia e assim continuaria a noite toda até as ruas se transformarem em rios de lama e lodo.
Ainda tentei uma ida para jantar na Avenida Mem de Sá, coração da boémia, logo ali ao lado. Mas tudo o que consegui foi ficar alagada da cabeça aos pés. Entrei no Hotel descalça e de sapatos enlameados no mão. Pensei que a água da chuva lava tudo e abençoava a minha chegada.
Fiquei sem jantar na Lapa. Mas estava feliz!
Pedi um serviço de quarto eficiente e saboroso: uma generosa sanduíche Club e acompanhado por um rosé, já conhecido de Portugal, o Versátil.
Tudo o que precisei para dormir tranquila.
Acordei cedo, muito cedo, como já era hábito. E ocorreu-me que estava a acordar no Rio de Janeiro. O meu sonho era verdadeiro, era realidade.
E agora!?
Agora ia viver tudo o que sonhara a vida toda … ia ver os sítios tão bem conhecidos das fotografias, as praias das revistas, as avenidas das novelas.
Eu tinha medo porque a realidade raramente supera o sonho.
Não imaginava eu que afinal era ao contrário. E tudo começaria logo ali na Lapa, bem no Centro do Rio de Janeiro. Que estranha sensação de familiar! Ali na Lapa, onde a cada esquina me encontrava com Portugal estando no Brasil!
Saí para conhecer o hotel, a minha primeira casa no Rio de Janeiro. Linda!
O sobrado apresentava uma recuperação muito bem conseguida. Foi construído a partir da recuperação de um antigo colégio, o MABE, muito acarinhado por antigos alunos que ainda o visitam.
A decoração executiva é inspirada no Samba e Bossa Nova o que fez a minha delicia em todos os cafés da manhã. Desde Chico, a Martinho, Gal e Bethânia, Roberto … todos estavam lá.
Ah, e o café da manhã? O café da manhã era óptimo!
Eu perdi a cabeça com as tapiocas e os pães de queijo. Em compensação, desintoxicava-me com um sumo verde de legumes. Terminava com as frutas que eram muitas, variadas e coloridas.
Neste primeiro dia, logo de manhã cedo, desfrutei da piscina. Um paraíso no centro!
A piscina parecia não ter fim e tão cristalina era, que apaziguava o calor que se começava a sentir apesar de estar nublado.
E depois ia bater perna na Lapa.
Agora, estava apenas a realizar em mim este novo estado de concretização. E assim fiquei por instantes!
O dia começou cedo, primeiro nublado mas agora já cheio de sol e o calor a fazer-se sentir. A intenção era ir conhecer o Centro do Rio, desde a Lapa a Santa Teresa, passando pelo coração da cidade, no centro comercial, financeiro e de serviços. Como estava hospedada mesmo ali foi fácil. Era sair e seguir
No Rio de Janeiro eu fico na Lapa, então, vamos bater perna?
Desci curiosa a Rua Riachuelo, onde fica o hotel Vila Galé Rio, e logo a criatividade me invadiu mostrando-me o caminho … eu sonhava em ser livre para voar … e o meu sonho era já uma realidade. Nas ruas do Rio de Janeiro, os sonhos são cariocas e estão escritos na parede, para todos os dias nos lembrar-mos deles.
Em menos de quinhentos metros estava no Aqueduto Carioca, o famoso Largo dos Arcos da Lapa.
São enormes. São mesmo brancos. E são lindos.
O Largo é gigante e encaminha-nos para Santa Teresa à direita, onde encontramos as míticas Escadas Sélaron. Em frente, seguimos para a Praça do Passeio Público, um jardim entre a Lapa e a Cinelândia, e é o primeiro parque ajardinado do Brasil. À esquerda a Cinelândia. E atrás a Catedral Metropolitana de São Sebastião, o padroeiro da cidade.
Sim, o dia seria passado a calcorrear. Iria bater perna pelo Rio de Janeiro.
Bem ali, junto aos Arcos da Lapa, comecei a identificar tudo aquilo que eu conhecia desde sempre, sem nunca lá ter estado.
Encontrei a mítica casa de shows Circo Voador onde os meus artistas preferidos, de Cazuza a Caetano, tantas vezes se apresentaram e tantas vezes os revisitei, com nostalgia e saudade do que nunca vi, ali no genial you tube.
E, logo a seguir, do lado esquerdo, ali mesmo ao lado na Rua dos Arcos da Lapa, a Fundição Progresso, um casarão lindo recuperado e uma casa de espectáculos impar, onde também rolaram os melhores shows e onde funciona um Centro Cultural.
A caminho da Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro não esperava, dada a leveza do dia, um encontro, um momento tão emocionante como o que tive.
Entrei e, em passo lento, dirigi-me ao altar, estavam poucos fieis e a hora era de reflexão. Sentei-me, com as mãos sobre os joelhos, no longo banco de madeira que ali me esperava. As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. As lágrimas, não consegui conter as lágrimas.
Deixei-me ficar a receber toda a graça, toda a luz, a paz, que me estava a ser concedida.
E apenas agradecia.
A beleza desta catedral dura, de pedra, gigante, de linhas retas e sóbrias, está evidente nos jogos de luz filtrada pelos milhares de vitrais coloridos, rasgados nas paredes desde o chão até a cúpula.
A luz entrava anunciando o divino. E sentia-se.
Mesmo ao lado da Catedral passando a Avenida do Chile, estava em pleno Centro financeiro da Cidade Maravilhosa, vi-a prédios magníficos como o da Petrobras com um jardim suspenso nas aberturas laterais. Mas, além da arquitectura moderna, convivia lado a lado os edifícios centenários de um antigamente ainda muito presente.
Uma visita à Rua do Lavradio era obrigatória, actualmente o encontro certo entre bares, como o famoso Rio Scenarium, e restaurantes, mas também várias sedes culturais, aqui fica o famoso bloco de carnaval Cordão da Bola Preta.
Aqui celebra-se, no primeiro sábado de cada mês, a Feira do Lavradio Rio Antigo, uma mistura das feiras da ladra e vandôma, tão tradicionais em Portugal. Mas também aqui se dá a maior concentração dos muitos e dos melhores antiquários da cidade.
Na esquina com a Rua da Relação, fica a Sociedade Brasileira de Belas Artes. Não tenho registo mas vale a pena a visita!
Depois fui caminhando e encontrando pérolas dos nomes conhecidos de sempre do Samba, como Noel Rosa ou Pixinguinha. Eram os locais que haviam frequentado noutros tempos. O que ao longo da minha viagem será uma constante.
O encontro com referências de toda uma vida, a minha.
Na Rua 1º de Março, visitei a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, que data do século XVIII, onde mais uma vez fiquei surpreendida com o excesso do estilo barroco, tão semelhante às nossas construções em Portugal, mas em território colonial.
Na Praça Tira-dentes, D. Pedro I, agraciado pelos Brasileiros, é ladeado pelos quatro grandes rios Amazonas, Paraná, São Francisco e Madeira e com as grandes datas relacionadas à vida do monarca no Rio de Janeiro. Desde o nascimento, ao casamento, à rebelião contra Portugal, a Aclamação e o Juramento da Constituição.
Na Cinelândia, procurava o Teatro Municipal e ele estava mesmo atrás de mim. É magnifico e riquíssimo, no entanto, sem ostentação. Acho que a sua beleza está no equilíbrio do excesso. Não visitei o interior mas aguardo assistir um ballet ou uma peça de teatro um dia destes.
Já se fazia tarde.
A barriga dava horas. Parei para almoçar no Bar Amarelinho, local bem carioca, com comida boa, simples e barata. Frequentado tanto por locais como por turistas. Preços bem equilibrados. Serviram-nos chop gelado e frango na caçarola , um tipo de estofado, com batata frita caseira.
Eram umas três da tarde e era possível tirar uma fotografia a uma fachada linda sem a confusão de uma metrópole. O Rio tem seis milhões e meio de habitantes mas eu nunca senti o peso desse número. Não sei onde estão.
Mas a minha sensação era de tranquilidade!
Estava cansada de bater perna!
O Bondinho de Santa Teresa estava mesmo ali ao lado. É gratuito e tem uma vista privilegiada sobre o Centro, pois passa no cimo dos Arcos da Lapa.
O percurso não é o original e, por isso, é agora muito curto. Ainda assim esta é opção mais bonita e interessante para chegar aos altos de Santa Teresa, antigo e boémio bairro, agora muito ligado a artistas e estrangeiros radicados no Rio.
Dizem que é a Montmartre Carioca!
Chegar ao Largo do Guimarães de bondinho é a melhor forma de entrar no espirito do bairro! Há vários idosos nos bancos de rua conversando, olhando. As ruas íngremes e estreitas são calçadas por paralelipípedos que não convidam a grandes passeios.
Eu sigo. Porta sim, porta sim há uma galeria de arte, um bar, um restaurante, um hostel, um associação cultural.
Respira-se arte. Respira-se mudança no ar.
Era hora de sossegar. O dia chegava ao fim com um banho refrescante na piscina, sob as estrelas dum céu negro. Toda por minha conta. E eu entreguei-me ao relaxe!
Caipirinhas de limão e lima, sessenta peças de sushi e sashimi fresquissimos, entregues no hotel, foram o jantar.
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