Sonhar aos 40’s

Quarenta anos … fazer quarenta anos foi inebriante! Sonhar aos 40’s era a minha realidade.

Não havia preparado nenhuma festa, no entanto, sentia um vazio em oposição a uma sensação de must-do.

Decidida reuni amigos de todos os tempos, que pelo Porto estavam em Agosto e organizei um jantar na praia, a olhar o Atlântico, prometendo a mim mesma a realização do MEU sonho!

Sonhar aos 40's
2014_Pestana Palace_Lisboa_Portugal

Sem mais desculpas, aquele que teria sido o sonho mais fácil de realizar, mas que guardei uma meia vida inteira! Ir ao Brasil!

A primeira vez que me lembro de sonhar foi com as plumas, as cores, os brilhos que desfilavam em corpos nus (hoje não tão nus), que dançavam freneticamente ao ritmo da bateria que entoava pela avenida, num clamor de êxtase e fantasia … era o Carnaval, era o Rio, era o Brasil!

Tinha dez anos. Passaram trinta.

Antes, eu sonhava também. Sonhava com a música que girava, trazida no prato, riscada, pura, do disco de vinil, que, em jeito de melodia, me fazia sonhar.

O amor soube-o ali … assim, sofrido, vivido, gritado, sereno, avassalador. As vozes doces, cantavam, na fala quente e charmosa, transportavam-me mar fora até ao outro lado, ao lado de lá!

E, no ecrã, todos os dias entrava na minha sala a Gabriela de Ilhéus, que fazia sonhar os marmanjos com as longas pernas e peitos apetitosos, ou a Copacabana frenética de Dancin’ Days ou, mais tarde, perdida entre santos e salvadores da pátria, Roque Santeiro!

Num país cinzento, de brandos e fechados costumes, a minha vida era verde, amarela, azul e branco também!

Entrava assim o Brasil em mim, para nunca mais sair!

Ano após ano, eu prometia, jurava que ia. Mas não ia. E voltava a prometer, a jurar. Nunca deixei de querer e falava alegremente sobre ir e porque ir. Era o construir de um sonho, uma preparação, um encontro.

Mas, ao longo do tempo, as minhas prioridades nunca colocaram os meus  sonhos acima das minhas obrigações.

Sonhar aos 40's

Adiava com a certeza da concretização, sem nunca duvidar!

Todas as energias e quereres se reuniram numa simbiose de coincidências e acasos e chegou a hora! A minha!

Ir ao Brasil é assim algo tão grandioso que origine uma mudança de vida? SIM!

Sim! Segui um caminho com muitos tropeços, por ventura eventuais, com desvios descarrilados, mas que me permitiram colher os frutos de uma vida vivida com objectivos que se definiram pelas escolhas que fiz tornando o meu propósito gradual, crescente e ascendente.

E fui sabendo o que não queria. Tudo o resto é consequência de um caminho que evoluiu naturalmente!

Pensava que sabia tudo o que queria ter. Queria ter filhos, tive-os. Queria ter um amor, encontrei-o. Queria ter um carro, comprei-o. Queria ter um emprego, criei-o. E, assim, fui achando que tudo se encaixava como nas instruções dos blocos da Lego.

Para me orientar fazia listas do que queria ter.

É que eu gosto de listas: de compras de supermercado, de livros a ler, de músicas a ouvir, de hotéis a dormir, de países e cidades a visitar. Raramente as sigo, quer porque as esqueço em casa, quer porque a liberdade de escolher na hora dá-me muito mais satisfação. E, claro, vim a perceber que mesmo que tivesse tudo o que queria ter, por vezes virava tudo do avesso e acabava a preferir o acaso!

Mas nas minhas listas olvidadas há factores de estima dos quais não abdico.

Escreve-las a lápis. É mais suave e as ideias discorrem-me em cascata. Numa folha aproveitada, rasgada a meio, guardada na gaveta pequena da cozinha, surgem as cápsulas de café, açúcar amarelo (para os convidados), compota de frutos silvestres, mais capsulas de café (acabam sempre na hora errada), chocolate (preto com aromas ou recheio), bolachas [de chocolate e coco], chá (todos os que houver), geleia de marmelo (gosto mais) e tostas (finas). Nesta lista, que nunca usarei, eu vivo tudo o que aqueles itens, que ainda não me chegaram à mão, me proporcionarão. A ver.

Um serão enterrada no meu sofá, com a minha manta de 7 cores, o meu livro (há tempo demais pousado que já tem pó) e o tabuleiro azul, rectangular, barato, suporte da minha chávena snobe de louça inglesa vermelha com cavalos e cocheiros e a taça redonda, dourada, com a gula de prazeres momentâneos.

Ou o fim daquele jantar de bons amigos, ao fim de semana, que se quer longo e vivido, bem regado a brancos e tintos, que apela à cafeína vulgar de uma qualquer ilusão cinematográfica, que me tenta manter acordada, sem sujar ou dar trabalho.

São listas escritas, em rascunho, que orientam as minhas decisões. E, as minhas decisões, tornam-se as minhas prioridades.

Sonhar aos 40's

Há muitos anos, teria uns vinte, fiz uma lista sobre os meus sonhos e desejos a cumprir. Reparei, passado uns tempos, num encontro imprevisto numa caixa de cartão esquecida, que estava cumprida. Fiquei assustada. Aquela folha amarelada e gasta predestinava tudo o que havia sonhado e desejado. Agora tudo se tornara realidade.

Então deixei de querer ter e passei a querer ser .

SER feliz, amada, paciente, livre, realizada, amiga, cúmplice.

E, aí, não precisei de listas. Percebi que para ser não tenho de querer ter, tenho de querer viver.

“Tenho medo que a liberdade se torne um vicio”

in Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares

mh

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