Tenho um passaporte com espaço para carimbar. Na verdade, com imenso espaço. Mas nesta viagem além de carimbos levo experiência de quem busca para encontrar.
Tirei o meu primeiro passaporte em ’93 (no século passado, portanto!) para viajar até Buenos Aires para a cirurgia que iria encerrar o capítulo do aneurisma. Depois nunca mais o usei. Folheei-o vezes se conta. Comigo viajou em sonhos ao calor cubano, às areias finas do Ceará, aos safaris no Kruger Parque. Mas não saiu nunca mais de minha casa e da pequena gaveta do meu móvel livreiro!
Quando expirou a data de validade apressei-me a tirar outro. Outro passaporte cheio de futuro. Surpreendentemente, assim foi, mas ao contrário. O destino de ida foi ainda menor. Nunca sequer teve um carimbo. Apenas sonhos e esses não deixam marca. Também a validade se foi. Por uns tempos fui refém de uma comunidade de onde não podia sair. Sem passaporte, sem visto, sem previsões. Porque quis.
Em Fevereiro, sabia que muito estaria para mudar e mais uma vez, a terceira, meti pés ao caminho até à Conservatória do Registo Predial (sim, porque no Governo Civil era antes!) para tirar uma fotografia horrorosa, onde o peso da idade (ainda que pouca, acho?) e a notória gravidade não se coaduna com técnicas de programação milagrosa de todo desconhecida da maquineta disponível. Preenchi papéis com dados que me estão na pele e paguei sessenta e cinco euros. Aguarde oito dias e estará pronto, sentenciaram. E estava.
Agora era livre para ir onde queria. E vou. Com o passaporte vazio para se encher de vida.
Hoje fiz a minha primeira consulta do viajante. Entrei e encontrei um batalhão de gente de bata branca que me olhava. De bloco na mão, que sequer abri, sorri e ouvi atentamente a médica simpática que debitava informação sobejamente conhecida e ainda apartes de perigos de zonas para as quais não vou (nem tenho intenção de ir, para já!).
“Ah, vai de navio?! Pois. Eu já fiz cruzeiros. Mas nunca a travessia do Atlântico. Suponho que no alto mar não há grande oscilação”. De repente, realizei o alto mar. Acho que ainda não tinha parado para perceber a dimensão do mar, que é oceano. Foquei-me no ponto de partida e de chegada e deixei em banho maria os nove dias que separam um ponto do outro. Que se aproximam à bolina dos ventos tão sonhados!
Falaram-me também do dengue. “É um mosquito, sabia?” Sabia. E sabia que gosta de águas paradas, da luz do dia mas de roupas escuras. Que dá febre delirante e dores de cabeça à seria. Repelente. E andar tapada, o que será difícil a pensar na mala que está prestes a ser fechada.
Na consulta de viajante, já de passaporte na mão, as dúvidas. Medicamentos? “Leve o que está habituada a usar.” Nada. Não os uso. Não me agradam. Busco sempre as alternativas. É um modo de vida!
Depois ia preparada para tomar duas vacinas, uma já conhecida e com prazo, a do tétano, e outra estreante e com período de incubação de dez dias, a da febre amarela. Bem, espero não receber a visita indesejada de nenhuma delas. Mas mais vale prevenir do que gramar com uns tantos dias de cama em estado delirante e febril (já percebi que por aqueles lados andam todos em delírio!), com calafrios, náuseas, icterícia (onde tudo fica amarelo) e hemorragias diversas … a energia delirante e febril (eu não digo!) é para outros assuntos! Mas só tomei uma. A do tétano. Que vai doer. Para pôr gelo. E passa.
E vim embora. “Boa viagem!”
Pausa.
Outro dia.
Podia ter escrito tudo na publicação de ontem mas temos de fazer render o peixe! Trabalho dezoito horas por dia, literalmente, e sai-me do pêlo! Se estou cansada? Estou, mas já sabia que seria assim!
Escrever um texto por dia é uma imposição a que me obrigo. Podia ter sido um de dois em dois dias. Podia até ser um por semana. Mas depois tenho tanto para escrever que não era suficiente. Além disso, para começo de conversa, senti que era necessário alimentar a máquina.
Por norma, planeio o que vou escrever transformando-o em rascunho mas depois, quando me sento a editar o texto, outras ideias vêm à cabeça e ao coração, e assim tenho uma lista de doze rascunhos em fila de espera, pois ora pesco um e o rescrevo de novo, ora pesco outro, e o leio vezes sem conta, até me decidir que está na hora de o largar. Não é o caso de hoje!
Estou a escrever agora, às nove da manhã, antes de sair de casa, onde trabalho mais que fora, e vou, depois de o ler três ou quatro vezes, marina-lo para mais logo (agora quando é lido!) o entregar.
Mas sobre ontem e a consulta do viajante houve algo que me impressionou (o que é raro!). Esperava a minha vez para a vacinação e tive tempo de, em pé, observar as paredes da pequena sala, descaracterizada e horrivelmente disposta, e ler. A leitura é um fenómeno de racionalidade que me fascina. Eu olhava e aquelas letras, agora palavras, entravam mente adentro sem lhes dar autorização e iam colorindo o momento (de si cinzento) até ao sorriso que passou a riso, alto (penso), sobre aquela intromissão.
Estariam cheios de carimbos os passaportes destes viajantes. Carimbos de destinos e não só. Eram frases de homens e mulheres e diziam assim …
Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.
Cada sonho que você deixa pra trás, é um pedaço do seu futuro que deixa de existir.
“Um homem precisa viajar, por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros e tevês, precisa viajar, por si, com os olhos e pés, para entender o que é seu …”
A maior aventura de um ser humano é viajar,
E a maior viagem que alguém pode empreender
É para dentro de si mesmo.
Uma mulher quer paz. Uma mulher quer ler mais, viajar mais, conhecer mais. Uma mulher quer flores. Quer beijos. Quer se sentir viva.
“Boa viagem”
Há uma parte na organização de uma viagem que não lembra o diabo. E não vá o diabo tecê-las, o melhor é precaver-me!
Pausa.
Outro dia.
Seguros? De vida. De bagagem. De risco. De saúde. De viagem. De carimbos.
Eu não sou dada a seguros, além dos obrigatórios, e, salvo um carro novo acabado de cair nas minhas mãos, que merece um contra todos os riscos e mais alguns, faço-os pelo mínimo. Sou uma optimista e tenho em mim a certeza da sorte e da mão de Deus, às vezes chega o imprevisto e, a vez do capeta.
Acontece que parto deixando dois filhos, um marido e uma extensa família com mãe, irmãos, sobrinhos, sogros, cunhados, tios, primos e, ainda, os amigos. Vou, mas há quem fique a pensar em mim.
Um mar Atlântico imenso de monstros tenebrosos e tempestades épicas levam-me a considerar o respeito ao desconhecido. E, antes de ser engolida por serpentes gigantes e ondas macnamarianas, vou subscrever um seguro de viagem.
Dizem que é um dos pontos de partida, seguro e precavido, à aventura! E um passaporte na mão.
Mas não vou só de apólice de seguro passaporte … vou banhada em sal grosso e ervas, vou benzida e fechada em cruz, com Santo António no peito e São Jorge de espada em riste, contra os que se atrevem a professar o mal, porque eu sou do bem e a força maior dos que acreditam é a realização!
Saravá quer dizer “salve” e é um comprimento, uma saudação.
Axé quer dizer “poder de realização”.
Mukuiu é um pedido de bênção, a resposta é Mukuiu NZambi.
Motumbá também é um pedido de benção, e a resposta é Motumba Axé.
Kolofé, idem, e a resposta Kolofé Olorum.
Mojubá quer dizer “eu me curvo a você” ou “você é grande”, é uma saudação de respeito ao outro.
Amém quer dizer “assim seja”
Shalom quer dizer “Paz”
Salaam também quer dizer “Paz”
Namastê quer dizer “Deus que habita em mim saúda Deus que habita em você”
Helena