Estou em viagem há vinte e quatro horas. Entrei no Galeão, aeroporto internacional do Rio, eram cinco da tarde de ontem. Estou a chegar ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, agora. Se estou cansada? Não! Agora é hora de contar, o embarque!
Estou feliz e agradecida, eternamente agradecida, por tudo o que vi, senti e descobri. Agora é hora de contar, o embarque.
Agora vou chegar e abraçar os meus filhos. Receber o meu cão. Vou beijar a minha mãe e agradecer-lhe com os olhos os cuidados que teve com os netos. Vou desfazer as malas, distribuir as lembranças e vou descansar.
E, mais logo, à noite, talvez já um pouco cansada vou me deitar e dormir e sonhar.
Sonhar com o próximo sonho que é contar em palavras escritas tudo o que vivi!
Ainda agora cheguei a casa. Mal tive tempo de desfazer as malas. Preciso contar tudo o que vivi.
AGORA É HORA DE CONTAR, O EMBARQUE
E, por isso, embarco hoje mesmo no relato de toda esta viagem. Desde a travessia atlântica à chegada ao Brasil, ao amor à primeira vista pelo Rio de Janeiro e às casas de portas abertas na Bahia.
Se foi uma viagem extraordinária? Foi!
Para mim foi o começo de uma nova vida!
Logo de manhã, da janela do meu quarto, vi-o ancorado no Porto. Ao longe não o imaginava tão belo. Despedi-me de Las Palmas, entrando no cais do porto para embarcar e uma sensação absolutamente pacificadora invadiu-me revelando que a escolha mim feita estava certa. Ainda assim não estava, nem em milhões de anos preparada para o que viria. Mas a vida é assim.
O embarque foi muito organizado e tudo correu como previsto, embora eu nada previsse, pois nunca havia feito um cruzeiro.
Esta travessia, na verdade, também não era um cruzeiro como previsto.
Desde logo fui recepcionada com sorrisos de boas-vindas, entregando as minhas malas que identificaram e remeteram para a cabine onde, mais tarde, as recebi. De seguida, passei aos tramites pessoais, preenchi um inquérito com informações básicas, entreguei o passaporte para confirmação, recebi o cartão de embarque – que seria a minha identificação a bordo assim como a chave da cabine 9672 e, em breve, era encaminhada para bordo.
Ao chegar, já no passeio embarcadiço, o Empress mostrou-se imponente, é um navio lindo, azul e branco, elegante e de dimensões equilibradas. O nome caia-lhe como uma luva!
Fui entrando, as alcatifas de fantasia, os corrimões dourados e as mármores brancas que revestiam as escadas, não defraudaram os anos de matiné de sábado a ver (e a sonhar com) o Barco do Amor, acho até que, enquanto ia tomando conhecimento ao deck 5, ouvia a música por todos conhecida, mas não, não ouvia. Embora, um pouco por todo o lado, viesse a encontrar as mesmas histórias que infinitamente foram gastas em cada episódio.
Subi à minha cabine no deck 9, percorri corredores infinitos, passei por malas, por gentes que viriam a ser rostos conhecidos, mas indivíduos anónimos para mim, até chegar à popa do navio, e encontrar a minha casa para os próximos longos nove dias. Coloquei o cartão na ranhura (que comigo nem sempre abre à primeira).
O clique anunciou-me as boas-vindas e entrei.
E sim, aí a felicidade (não me canso desta palavra porque ainda não descobri outra que tão bem expressasse tudo o que senti) invadiu-me inesperadamente porque já não era um sonho era a realidade com que sonhara.
E a meta quando alcançada tem sempre diversos sabores, para já era doce, oh, como era doce e terna a minha nova realidade.
O sol invadia a cabine desafiando os meus olhos que comovidos recebiam aquilo como um presente que eu mesma oferecera a mim durante anos e que se materializava enfim. Sabia, na primeira pessoa, mais uma vez, o que era ganhar, o que era realizar, o que era viver. E sabia-me muito bem esta sensação sem a qual não consigo ser eu.
As malas chegaram. Eu, que sou um pouco maníaca da organização das coisas, de imediato, as abri. Desfiz. Arrumei nas diversas gavetas, grandes, pequenas até secretas. Nas prateleiras abertas e nos armários de pendurar.
A minha vida ficaria assim ali arrumada.
Eu sabia que a minha vida ia ficar suspensa durante aquela travessia, como se fosse outra vida, que era minha também. Ali apenas o grande mar, o oceano, o Atlântico, reinaria e comandaria o meu destino, talvez, também, algumas sereias de encantar que cantariam o seu canto para depois me encantarem.
Subi ao deck 10, onde toda a vida diurna do barco tem acontecimento público, e desde a proa avistei Las Palmas que adormecia ao cair do sol e que eu, nem curiosidade, talvez nem tempo também, tinha tido para a conhecer.
Preferi guarda-la num canto da minha memória como um ponto de partida. Bastava-me!
Todos se aproximavam para assistir à partida, zarpando pelo mar, do navio que nos levaria dali ao outro lado.
Já era noite cerrada, embora ainda fosse fim de tarde, e as câmaras apontavam para todos os pontos que conseguiam alcançar na tentativa de imortalizar o momento.
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